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quinta-feira, 25 de junho de 2009

Como resolver (e não apenas disfarçar) o problema do desemprego?




Os números sobre o desemprego não param de aumentar. No primeiro trimestre de 2009 registou-se o maior número de desempregados dos últimos 23 anos, com 495.800 pessoas inscritas nos centros de emprego, das quais 27% representavam indivíduos qualificados.

O fenómeno do desemprego é um dos grandes problemas sociais. O desemprego afecta o bem-estar social do individuo e do seu agregado familiar. Famílias com pessoas desempregadas têm menos rendimentos disponíveis e, por consequência, uma menor qualidade de vida.
Para minimizar o problema social e como forma de auxílio à integração no mercado de trabalho, o Estado atribui um subsídio aos cidadãos desempregados. Este mecanismo de recurso e de compensação é suportado financeiramente pelos impostos cobrados aos contribuintes. Quantos mais desempregados houver, mais subsídios o Estado terá de pagar e menos disponibilidade de recursos haverá para outros gastos e investimentos públicos.
Muitas vezes o Estado procura resolver o problema do desemprego através da contratação pública. É certo que, dessa forma, o número de desempregados diminui mas a questão dos recursos mantém-se porque são os mesmos contribuintes que pagam os subsídios de desemprego que têm de pagar os ordenados desses trabalhadores contratados (ou empregados, porque as duas expressões nem sempre são sinónimos). Pior ainda, acabamos por ficar com um outro problema que é o excessivo e progressivo peso da Administração Pública na sociedade, o que implica a existência de cada vez maiores impostos ou maior divida pública (ambas as fontes de receita são insustentáveis no longo prazo).
Como esta forma de disfarçar a situação pode potenciar maiores complicações orçamentais, o Estado (e mesmo a sociedade civil) deveria optar por soluções estruturais. Uma sugestão seria o reforço de competências nas Universidades, nos Institutos Politécnicos e até nos Centros de Formação Profissional com o objectivo de fomentar o empreendedorismo dos seus alunos. Para isso, seria fundamental aumentar os protocolos de relacionamento das instituições de ensino com empresas e com a própria Administração Pública. Só a existência de redes de troca de competências pode contribuir para criar verdadeiros Industrial Districts que permitam a dinamização de uma determinada região. Uma outra solução seria a formação dos desempregados em áreas específicas como a criação de empresas, o microcrédito, o voluntariado ou mesmo o serviço público. Afinal de contas, a maior riqueza das regiões é o seu capital humano, pelo que é fundamental apostar na inovação, na criatividade e na irreverência de cada pessoa.
Não podemos continuar a resolver os problemas do presente com as soluções do passado, principalmente quando essas mesmas soluções contribuem para um maior atraso estrutural do país e das regiões! O desemprego é apenas um desses problemas mas talvez seja dos mais complicados de solucionar. Atacar os números sem resolver o fenómeno significa maquilhar a realidade, não com a redução do desemprego mas sim com a migração (a médio prazo) da população para regiões e países em desenvolvimento, e com melhores perspectivas de futuro.
Encobrir os problemas até pode traduzir-se na obtenção de mais votos no curto prazo mas será sempre sinónimo de mais atraso, menos desenvolvimento e maior afastamento das populações da vida política no longo prazo! Serão os votos mais importantes do que o desenvolvimento?

Artigo publicado na edição de 24/06/2009 do jornal "Alto Alentejo" by Nuno Vaz da Silva

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Discurso de António Barreto no âmbito das comemorações do 10 Junho de 2009

"Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Santarém, 10 de Junho de 2009

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Primeiro-ministro,
Senhores Embaixadores,
Senhor Presidente da Câmara de Santarém,
Senhoras e Senhores,

Dia de Portugal... É dia de congratulação. Pode ser dia de lustro e lugares comuns. Mas também
pode ser dia de simplicidade plebeia e de lucidez.
Várias vezes este dia mudou de nome. Já foi de Camões, por onde começou. Já foi de Portugal, da
Raça ou das Comunidades. Agora, é de Portugal, de Camões e das Comunidades. Com ou sem
tolerância, com ou sem intenção política específica, é sempre o mesmo que se festeja: os
Portugueses. Onde quer que vivam.
Há mais de cem anos que se celebra Camões e Portugal. Com tonalidades diferentes, com ideias
diversas de acordo com o espírito do tempo. O que se comemora é sempre o país e o seu povo. Por
isso o Dia de Portugal é também sempre objecto de críticas. Iguais, no essencial, às expressas por
Eça de Queirós, aquando do primeiro dia de Camões. Ele afirmava que os portugueses, mais do que
colchas às varandas, precisavam de cultura.
Estranho dia este! Já foi uma "manobra republicana", como lhe chamou Jorge de Sena. Já foi
"exaltação da raça", como o designaram no passado. Já foi de Camões, utilizado para louvar
imperialismos que não eram os dele. Já foi das Comunidades, para seduzir os nossos emigrantes,
cujas remessas nos faziam falta. E apenas de Portugal.
Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal
gesto. Por vezes, quando o fazem, é de modo desajeitado. "As festas decretadas, impostas por lei,
nunca se tornam populares", disse também Eça de Queirós. Tinha razão. Mas devo dizer que temos
a felicidade única de aliar a festa nacional a Camões. Um poeta, em vez de uma data bélica. Um
poeta que nos deu a voz. Que é a nossa voz. Ou, como disse Eduardo Lourenço, um povo que se
julga Camões. Que é Camões. Verdade é que os povos também prezam a comemoração, se nela não
virem armadilha ou manipulação.
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar o
passado. Para utilizar a História a favor do presente. Para invocar um herói que nos dê coesão. Para
renovar a legitimidade histórica. São, podem ser, objectivos decentes. Se soubermos resistir à
tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências
contemporâneas.
Não é possível passar este dia sem olharmos para nós. Mas podemos fazê-lo com consciência. E
simplicidade.
Garantimos com altivez que Camões é o grande escritor da língua portuguesa e um dos maiores
poetas do mundo, mas talvez fosse preferível estudá-lo, dá-lo a conhecer e garantir a sua
perenidade.
Afirmamos, com brio, que os portugueses navegadores descobriram os caminhos do mundo nos
séculos XV e XVI e que os portugueses emigrantes os percorreram desde então. Mais vale afirmá-lo
com o sentido do dever de contribuir para a solidez desta comunidade.
Dizemos, com orgulho, que o Português é uma das seis grandes línguas do mundo. Mas deveríamos
talvez dizê-lo com a responsabilidade que tal facto nos confere.
Quando se escolhe um português que nos representa, que nos resume, escolhe-se um herói. Ele é
Camões. Podemos festejá-lo com narcisismo. Mas também com a decência de quem nele procura o
melhor.
Os nossos maiores heróis, com Camões à cabeça, ilustraram-se pela liberdade e pelo espírito
insubmisso. Pela aventura e pelo esforço empreendedor. Pela sua humanidade e, algumas vezes,
pela tolerância. Infelizmente, foram tantas vezes utilizados com o exacto sentido oposto: obedientes
ou símbolos de uma superioridade obscena.
Ainda hoje soubemos prestar homenagem a Salgueiro Maia. Nele, festejámos a liberdade, mas
também aquele homem. Que esta homenagem não se substitua, ritualmente, ao nosso dever de
cuidar da democracia.
As comemorações nacionais têm a frequente tentação de sublinhar ou inventar o excepcional. O
carácter único de um povo. A sua glória. Mas todos sentimos, hoje, os limites dessa receita
nacionalista. Na verdade, comemorar Portugal e festejar os Portugueses pode ser acto de lucidez e
consciência. No nosso passado, personificado em Camões, o que mais impressiona é a desproporção
entre o povo e os feitos, entre a dimensão e a obra. Assim como esta extraordinária capacidade de
resistir, base da "persistência da nacionalidade", como disse Orlando Ribeiro. Mas que isso não
apague ou esbata o resto. Festejar Camões não é partilhar o sentido épico que ele soube dar à sua
obra maior, mas é perceber o homem, a sua liberdade e a sua criatividade. Como também é perceber
o que fizemos de bem e o que fizemos de mal. Descobrimos mundos, mas fizemos a guerra, por
vezes injusta. Civilizámos, mas também colonizámos sem humanidade. Soubemos encontrar a
liberdade, mas perdemos anos com guerras e ditaduras.
Fizemos a democracia, mas não somos capazes de organizar a justiça. Alargámos a educação, mas
ainda não soubemos dar uma boa instrução. Fizemos bem e mal. Soubemos abandonar a mitologia
absurda do país excepcional, único, a fim de nos transformarmos num país como os outros. Mas que
é o nosso. Por isso, temos de nos ocupar dele. Para que não sejam outros a fazê-lo.
Há mais de trinta anos, neste dia, Jorge de Sena deixou palavras que ecoam. Trouxe-nos um
Camões humano, sabedor, contraditório, irreverente, subversivo mesmo.
Desde então, muito mudou. O regime democrático consolidou-se. Recheado de defeitos, é certo.
Ainda a viver com muita crispação, com certeza. Mas com regras de vida em liberdade.
Evoluiu a situação das mulheres, a sua presença na sociedade. Invisíveis durante tanto tempo,
submissas ainda há pouco, as mulheres já fizeram um país diferente.
Mudou até a constituição do povo. A sociedade plural em que vivemos hoje, com vários deuses e
credos, com dois sexos iguais, com diversas línguas e muitos costumes, com os partidos e as
associações que se queira, seria irreconhecível aos nossos próximos antepassados.
A sociedade e o país abriram-se ao mundo. No emprego, no comércio, no estudo, nas viagens, nas
relações individuais e até no casamento, a sociedade aberta é uma novidade recente.
A pertença à União Europeia, timidamente desejada há três décadas, nem sequer por todos, é um
facto consumado.
A estes trinta anos pertence também o Estado de protecção social, com especial relevo para o
Serviço Nacional de Saúde, a segurança social universal e a escolarização da população jovem. É
certamente uma das realizações maiores.
Estas transformações são motivo de regozijo. Mas este não deve iludir o que ainda precisa de
mudança. O que não foi possível fazer progredir. E a mudança que correu mal.
A Sociedade e o Estado são ainda excessivamente centralizados. As desigualdades sociais persistem
para além do aceitável. A injustiça é perene. A falta de justiça também. 0 favor ainda vence vezes de
mais o mérito. O endividamento de todos, país, Estado, empresas e famílias é excessivo e hipoteca a
próxima geração. A nossa pertença à União Europeia não é claramente discutida e não provoca um
pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente.
Há poucos dias, a eleição europeia confirmou situações e diagnósticos conhecidos. A elevadíssima
abstenção mostrou uma vez mais a permanente crise de legitimidade e de representatividade das
instituições europeias. A cidadania europeia é uma noção vaga e incerta. É um conceito inventado
por políticos e juristas, não é uma realidade vivida e percebida pelos povos. É um pretexto de
Estado, não um sentimento dos povos. A pertença à Europa é, para os cidadãos, uma metafísica sem
tradição cultural, espiritual ou política. Os Estados e os povos europeus deveriam pensar de novo,
uma, duas, três vezes, antes de prosseguir caminhos sem saída ou falsos percursos que terminam
mal. E nós fazemos parte desse número de Estados e povos que têm a obrigação de pensar melhor o
seu futuro, o futuro dos Portugueses que vêm a seguir.
É a pensar nessas gerações que devemos aproveitar uma comemoração e um herói para melhor ligar
o passado com o futuro.
Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos. Porque o exemplo
tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista.
Pela justiça e pela tolerância, os portugueses precisam mais de exemplo do que de lições morais.
Pela honestidade e contra a corrupção, os portugueses necessitam de exemplo, bem mais do que de
sermões.
Pela eficácia, pela pontualidade, pelo atendimento público e pela civilidade dos costumes, os
portugueses serão mais sensíveis ao exemplo do que à ameaça ou ao desprezo.
Pela liberdade e pelo respeito devido aos outros, os portugueses aprenderão mais com o exemplo do
que com declarações solenes.
Contra a decadência moral e cívica, os portugueses terão mais a ganhar com o exemplo do que com
discursos pomposos.
Pela recompensa ao mérito e a punição do favoritismo, os portugueses seguirão o exemplo com
mais elevado sentido de justiça.
Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus
melhores. O exemplo dos seus heróis, mas também dos seus dirigentes. Dos afortunados, cujas
responsabilidades deveriam ultrapassar os limites da sua fortuna. Dos sabedores, cuja primeira
preocupação deveria ser a de divulgar o seu saber. Dos poderosos, que deveriam olhar mais para
quem lhes deu o poder. Dos que têm mais responsabilidades, cujo "ethos" deveria ser o de servir.
Dê-se o exemplo e esse gesto será fértil! Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar "sinais de
esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age, tem apenas a fórmula e a retórica. Dê-se
o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará. Dê-se o exemplo de
honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a
crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia
sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários: tenham consciência de que, em tempos de
excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de
que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão
melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados, mesmo em tempos difíceis.
Em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções
empresariais ou políticas, o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas
para o esforço de recuperação do país."